Mamá Cumple 100 Años, Espanha, 1979, Comédia/Drama, 95 minutos
Direção: Carlos Saura
Elenco: Charo Soriano, José Vivó, Geraldine Chaplin, Rafaela Aparicio
CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA: 14 ANOS
Contém: Sexo, nudez
Áudio original em espanhol, legendas em português
Resenha:
[contém spoiler]Mamãe faz 100 anos é uma continuação de Ana e os Lobos (1973) e ambos são uma crítica política e social à Espanha. Quando o primeiro filme foi lançado, o país ainda estava sob o Regime Franquista, sendo que, por meio das sutilezas da narrativa, da construção dos personagens e do uso de metáforas e alegorias, o principal objetivo de Saura era fazer oposição à ditadura vigente. Entretanto, o longa seguinte é criado em um contexto diferenciado, em que Francisco Franco já havia morrido e o regime, chegado ao seu fim. Portanto, o objetivo do diretor estava em analisar as consequências deixadas nas estruturas sociopolíticas da nação e explorar o momento histórico de transição.
Assim, vamos à obra de 1979: seu início é marcado pela cena do túmulo de José, personagem responsável por caracterizar o franquismo dentro do lar, com sua morte representando o fim do regime. Em seguida, o espectador é guiado pelo retorno de Ana, que trabalhava como babá na Casa e foi morta na película anterior (e que ressurge sem explicações), e seu marido, Antônio, à mansão da matriarca e por meio da qual são introduzidos os personagens e seu universo. A história é feita de muita alegoria, sendo a principal delas que a Casa e a Mãe representam a Espanha.
Ana se surpreende com o amadurecimento das crianças de quem cuidava, Natália, Carlota e Victória, o que, à primeira vista, sugere mudanças saudáveis na dinâmica familiar, porém logo são reveladas as disfuncionalidades do lar, que persistem desde o primeiro filme. Fernando (filho) resume todo o seu objetivo de vida à sua obsessão em aprender a voar de asa-delta; Juan (filho) é um adúltero, que abandonou a família para fugir com sua amante; Luchi (nora) é reprimida emocionalmente pela ausência do marido fugido; e Mamãe, dona da casa, está cada vez mais doente, com ataques recorrentes, em que precisa ser socorrida com urgência.
Ao longo da trama, descobre-se que Fernando, Juan, Luchi e Carlota estão tramando a morte de Mamãe, buscando dividir o dinheiro da herança e do seguro de vida. Nesse contexto, a matriarca se revela como uma entidade onisciente e onipresente, que aparece de forma imaterial para Ana e para Fernando, e tem ciência dos planos malignos que a aguardam. Com isso, recorre à ajuda de Ana, a única pessoa que não é da família, e a única em que pode confiar.
Na última sequência do filme, temos, finalmente, a festa de 100 anos e seu ponto alto: Mamãe morre por alguns instantes. Quando ela recobra a consciência, pede afastamento dos familiares interesseiros e conta que viu toda a sua vida, cada um dos acontecimentos, passar pelos seus olhos, desembocando em um discurso que se mistura com a sua história particular, mas que também representa todo o sentimento gerado pelos anos de regime militar: “Quanta crueldade, quanta estupidez, quanto egoísmo, meus filhos. Quanto sofrimento inútil. Quanto sacrifício inútil”. A última cena é um enquadramento da fachada da Casa, sugerindo seu aspecto fragilizado e ultrapassado através da arquitetura deteriorada e das cores pouco vívidas da fotografia. Se Mamãe e a Casa são a Espanha, então temos um combo de “resiliente” e “arcaico”, que faz jus à condição em que a nação se encontrava até então.
Com isso, essa incrível sátira surrealista ganhou o Prêmio Especial no Festival de San Sebastián, o Prêmio da Crítica no Festival de Bruxelas e foi indicada ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Vitória Sirius