Madame Bovary, França, Drama, 1991, 146 minutos

Direção: Claude Chabrol

Elenco: Isabelle Huppert, Jean-François Balmer, Christophe Malavoy

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA: 14 ANOS

Contém: Adultério, diálogo adulto

Áudio em francês com legendas em português

 

Estrefopodia,

Estrefendopodia,

Estrefexopodia,

Estrefipopodia e

Estrefanopodia.

Em outras palavras: pé torto. O primeiro termo designa pé deformado, quando seu contato com o chão não se dá pelos pontos de apoio que deveriam se dar. A partir deste termo surgem os dois seguintes, onde os prefixos negritados endo e exo denotam ser a anomalia do pé voltado para dentro e para fora, respectivamente. Já os dois últimos termos, nas pesquisas feitas por este bolsista, foram encontrados apenas e justamente no livro de Gustave Flaubert que baseia o filme, e denotam, nesta ordem, lesão e reviramento.

Estamos na região da Normandia, França, 1857. Charles Bovary é um médico, recém enviuvado, sujeito simples e desambicioso, que estuda com afinco todos estes conceitos. Em certa feita, atende em domicílio um fazendeiro enfermo e conhece a sua filha. Na segunda visita, Emma conta que tinha tonturas, e então lhe faz um pré-diagnóstico. Imediatamente, ela o confessa que nos seus tempos de convento fingia ter desmaios para receber atenção e carinho. A mensagem é clara e insofismável, e ele se bestifica. Na terceira visita, Dr. Bovary propõe ao paciente. Na quarta e derradeira, a família faz um banquete para comemorar o surgimento de uma agora Madame Bovary.

A vida em comum do casal numa cidade pacata é tediosa e marasmada. Quando mudam para uma cidade maior, Emma conhece outros rapazes mais interessantes. Desejando ser apresentável a eles, endivida-se com um lojista. Mas sua tristeza ainda não é enervada. Um dia a conta chega, e a vida de Emma se entorta tal qual uma estrefopodia. É só isso, e tudo isso.

André Castilho

 

Texto complementar

“Madame Bovary”, de Gustave Flaubert

Fragmento do livro original, onde Emma e o Dr Bovary se conhecem:

Queixava-se de sentir tonturas, desde o começo da estação, perguntou se lhe fariam bem os banhos de mar, pôs-se a falar do convento e Charles do seu colégio, as frases foram surgindo. Subiram ao quarto dela. Emma mostrou-lhe os seus antigos álbuns de música, os livrinhos que lhe tinham sido oferecidos como prémio e as coroas de folhas de carvalho, abandonadas no fundo de um armário. Falou-lhe ainda da mãe, do cemitério, e até lhe mostrou no jardim o canteiro onde, todas as sextas-feiras, colhia as flores que ia colocar sobre a sepultura. Ela bem gostaria de morar na cidade , nem que fosse pelo menos durante o Inverno, se bem que a extensão dos dias bonitos talvez tornasse o campo ainda enfadonho no Verão, e, conforme aquilo de que falava, a sua voz tornava-se clara, aguda, ou revestia-se subitamente de languidez, arrastando-se em modulações que terminavam quase em murmúrios quando se dirigia a si própria – ora alegre, abrindo uns olhos ingênuos, ora semicerrando as pálpebras, num olhar afogado em tédio, vagueando com o pensamento.

À noite, ao voltar para casa, Charles recapitulou, uma a uma, as frases que ela dissera, procurando lembrar-se de tudo, completar-lhes o sentido, para reconstruir o período da existência dela no tempo em que ainda não a conhecia. Mas nunca foi capaz de, em pensamento, a ver de modo diferente daquele em que a vira pela primeira vez ou em que, havia momentos, a deixara. Depois procurava imaginar no que ela se tornaria, se se casaria e com quem. Que pena! Era ela… tão bonita! Mas o rosto de Emma voltava sempre a apresentar-se-lhe diante dos olhos e qualquer coisa monótona como o zumbido de um pião insistia-lhe aos ouvidos: “E se tu te casasses! Se te casasses! ”